quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Quando morrer quero ser diamante


Parece surreal, no entanto, algo poético. E parece que já se faz há alguns anos, mas quando recebi na minha caixa de email esta notícia, fiquei realmente abismada. Embora ainda seja bastante caro, talvez a prática venha a dar um novo sentido à expressão "aquela rapariga é uma jóia de pessoa". E não é que o poderá vir mesmo a ser, literalmente, depois de morta?

A metamorfose humana para um objecto inanimado, mas de uma beleza rara e extraordinária. Não soa a poesia?

O oposto do espalhar as cinzas sobre a terra, ou sobre o mar...ao invés de nos entregarmos ao mundo, entregarmo-nos a uma só pessoa, egoísta ou especial.

Podemos passar a ser herança, esgotar a lembrança até sermos só mais um anel.

Ou até vários, um conjunto de jóias, de vários tons e feitios: "Quinhentas gramas de cinzas bastam para fazer um diamante, enquanto o corpo humano deixa uma média de 2,5 a 3 kg depois da cremação", explica Rinaldo Willy, um dos co-fundadores do laboratório, logo cada humano dará cerca de 5 diamantes, para distribuir pela família.

Sem mais comentários, aqui fica o link para quem não acredita: http://www.swissinfo.ch/por/archive.html?siteSect=883&sid=6208251&ty=st.

Blindness


From the film "Blindness", 2008


Embora já tivesse lido o livro de Saramago, agora que já digeri também o filme de Meirelles que fui ver esta semana, não posso deixar de aqui referenciá-lo. Por falar em digestão, não quero eu dizer que esta demora no processo da sua absorção se deva a algum mal-estar físico que o filme me tenha causado, embora seja sem dúvida um filme forte. Mas eu gostei muito de vê-lo! “Blindness” fez jus às metáforas e aos sentimentos que o “Ensaio sobre a Cegueira” do nosso escritor-nobel português já me havia despertado.

O único livro de Saramago que li completo até à data, quando alguns outros ficaram pendurados a meio. Não podia deixar de lhe prestar justa homenagem na sua passagem para o grande ecrã.

Fernando Meirelles, reconhecido pelos seus filmes “A cidade de Deus” e “O fiel jardineiro”, tal como o esperado, conseguiu a meu ver interpretar de forma quase perfeita o imaginário de Saramago. Se é que isto se pode afirmar.

Mas terá sido o próprio autor do livro original, durante uma conferência de imprensa conjunta com o realizador, quem afirmou que o filme lhe agradou “em todos os aspectos” e que se emocionou algumas vezes durante a passagem do mesmo. Para mim bastava olhar para o seu rosto no final da estreia do filme, imagens que têm andado a circular pelo mundo net, para perceber o seu índice de concretização pessoal. Naquele momento Saramago foi aos céus, e voltou fiel à vida.

Quanto ao filme, numa narrativa em que não chegamos a saber o nome de nenhuma das personagens, mas em que o anonimato lhes abre, no entanto, um lugar bem marcado na história, confrontamo-nos, mais uma vez, com questões do nosso tempo, que não nos facilitam uma resposta, mas nos incentivam a despertar para a sua existência mais profunda.
O colapso urbano e a complexidade da natureza humana, perante uma situação catastrófica e dramática, vão gerindo o balanço entre a ordem e o caos, entre a quietude e a agonia…que fui obrigada a digerir, com receio de sufocar.

E mergulhamos, ao vê-lo, nessa terapia conjunta: dolorosa é certo, pela brutalidade das imagens presentes (e paralelas); mas libertadora e alucinante, através de um trabalho de cinema plástico incrível, dos enquadramentos, dos flashes de luz branca, e dos reflexos pontuais, escolhidos de forma cuidada e séria, para não subverter as expectativas de todos os que já leram, e também visualizaram à sua maneira, o livro do escritor-nobel lusitano.

Em sintonia com Meirelles, os contributos de todos os outros envolvidos no projecto de “Blindness” foram preciosos, e não podem aqui ser negligenciados: Don Mckellar, na produção do argumento, César Charlone, na fotografia, e Marco António Guimarães, na brilhante banda sonora, entre outros.

Será também interessante, para quem tiver curiosidade, ler no blog do cineasta as dificuldades e tensões da etapa da montagem, em http://blogdeblindness.blogspot.com.

Para quem ainda não viu o filme, ou leu o livro, fica a minha recomendação. (Vale o que vale)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Vícios sérios


Estou víciada numa série. Depois de outras, esta especialmente surpreendeu-me.
Californication é uma série que explora, de forma mais ou menos abusada, os laços da carne, mas também, a meu ver, os laços da alma, nas páginas escritas de um livro, escrito ao ritmo alucinante e quente da Califórnia, e tendo David Duchovny (antigo Xfile) no lugar do protagonista.

Porque é que uma série como esta me vícia, de querer ver os episódios todos, todas as noites, noites e noites seguidas sem parar? Intrigou-me!

Uma série que se enquadra perfeita nos preconceitos da promiscuidade, da crueza das imagens, da luxúria, e cujo “sexo”, formal ou informal, é um dos temas principais...como não me aborrece?

De onde vem este interesse, que numa qualquer semelhante conversa entre rapazes gabarolas, das suas trapezias mais imaginativas que reais, me entediaria à primeira frase?

São naturalizadas na série todas as práticas sexuais, de tal forma, que sem querer o olho se habitua, após “comédializar” as situações que mais se distanciam da nossa rotina frequente. Mas não de uma forma irritante e imatura. De uma forma genuína e seminal, que volta a colocar-nos numa linha da exploração animalesca dos nossos mais íntimos desejos carnais.

Ao mesmo tempo que chocam, estas imagens naturalizam-se pois, após as primeiras impressões da série, começamos a colher nas veias do enredo a corrente de outras características mais “espirituais”, apresentadas a partir das personagens da história, e que nos acrescentam a nós, como seres humanos, uma essência mais profunda.

Descobrimos que pode coexistir, no mesmo ser, um lado primitivo e bestial, com um outro lado mais sensível e complexo. E sentimo-nos bem com isso. Sem falsos moralismos ou quaisquer moralismos sequer.

E cresce assim, progressivamente, um vício de espiar os vícios dos outros, como se fossem os nossos, ainda que os não alimentemos como um vício completo, na vida real… pois que neste mundo falta-nos uma porta totalmente aberta.

Se alguma vez os vamos personalizar desta forma tão excessiva? Não sei responder ao certo…

Teremos outros vícios, mais comedidos talvez, em que “o medo” se forma, na verdade, o maior deles todos! O medo de viver com o vício, aprisionados na sua teia; de sermos descobertos, como sendo viciados em uma qualquer coisa; ou até o medo de viver sem o vício em si.

Os vícios formam, pois, rotinas difíceis de quebrar. Como é certa esta necessidade que sinto em visionar todos os episódios que já foram produzidos, noites seguidas a fim.

A última questão que deixo é, então, até onde vai a sanidade quando consumimos com um apetite voraz o objecto que nos irá ele próprio acabar por devorar?

Existirá um equilíbrio possível?

Há vícios que se querem. E outros que mesmo assim preferimos não saber…

Waiting for Fairy…in a true tale of life


“Bernardo Bertolucci - O céu que nos protege”, de Mimmo Cattarinich


Bernardo Bertolucci foi a estrela esperada na gala da abertura do II Festival do Filme do Estoril, que decorreu no dia 14 deste mês, no Casino, sob a direcção artística do produtor cinematográfico Paulo Branco.

O cineasta com 68 anos e com filmes tão conhecidos como "O último tango em Paris" (1972), o"Último Imperador" (1987), ou o mais recente, “Os sonhadores” (2003), confessou em francês que teve para não vir ao grande encontro, devido a um problema nas costas, mas que pensou que teria “um milagre de Fátima para recuperar a postura” e, logo, não desistiu.

E ainda bem! Para aqueles que tiveram oportunidade de gozar da sua presença! Pois eu, mais uma vez, dedicada escrava do ganha-pão, não gozei do milagre da dispensa laboral, e perdi a oportunidade de conhecer o homem que em tempos conseguiu escandalizar, com um dos filmes mais polémicos da história do cinema.
"O último tango em Paris" trata de um relacionamento sexual, explicitamente mostrado, entre um viúvo (Marlon Brando) e uma desconhecida (Maria Schneider), e mesmo tendo alcançado sucesso mundial, foi considerado obsceno por uns quantos e censurado na época em alguns países.

Durante a homenagem ao realizador, apresentada por Catherine Deneuve no Festival, em que se assistiu à reposição na tela dos seus filmes, Bertolucci falou de como os realizadores são como "crianças" que vão espreitar o quarto dos pais pelo buraco da fechadura, ou "criminosos" cujos filmes são "crimes".

Capaz, por si só, do cinema poesia e do cinema espectáculo, ao criar um forte apelo visual, Bertolucci sempre apresentou temáticas muito marcadas pelos seus próprios dilemas, políticos e humanos, tendo mesmo sido avaliado numa frase única de um crítico alemão, ao referir-se ao seu filme “1900” (1976), como alguém que “tenta harmonizar Marx e Freud'' no seu conjunto.

Interpretações à parte, da sua arte enigmática, julga-se que ele próprio terá dito também para o seu psicanalista, em determinada fase da sua vida, que o seu nome deveria aparecer nos créditos dos seus filmes.

Parece, então, que a exploração das nossas pequenas turbulências interiores, secretas e que tentamos à força recalcar, pode realmente gerar grandes obras: de um génio exorcizado e inerente, não criminoso, pois que é global.

Outros homenageados desta edição do festival, poderão (ou não?) encaixar-se neste perfil: Paul Newman (1925-2008), Luís Bunuel, no 25º aniversário da sua morte, com a projecção de "El ultimo guión" um documentário sobre a sua vida, e o não menos inquietante realizador norte-americano, já aqui elogiado, Tim Burton, com uma retrospectiva integral da sua obra.

E para terminar a lamúria da “gata borralheira acomodada”, até o júri da competição oficial deste Festival, constituído por alguns nomes distintos, como o Prémio Nobel da Literatura 2003, John M. Coetzer, o escritor e realizador norte-americano Paul Auster, o artista plástico Julião Sarmento e a escultora espanhola Cristina Iglesias, poderiam ter legitimado a minha presença no evento, mas a vida espera-se longa e cheia de novas oportunidades...

O Rato mais Rato




A carismática personagem da animação, Mickey Mouse, fez anteontem 80 anos, sem qualquer ruga que o comprove. No entanto, é sabido, que esse é o tempo que decorreu desde que apareceu em "Steamboat Willie", em 1928, pela mão de Walt Disney, logo, também é escorpião!

Os seus primeiros traços foram desenhados pelo norte-americano Ub Iwerks, que lhe deu forma, e sabe-se que inicialmente foi chamado de Mortimer Mouse, mas a mulher de Disney, que já esperava o êxito do ratinho, convencendo-o a mudar o nome para algo mais cativante, e o sucesso não se fez esperar.

Detentor do par de orelhas mais iconográfico de sempre, Mickey Mouse é actualmente considerado a personificação da própria Disney, máquina de magia e fantasia, que continua a estimular e a colorir o imaginário de crianças por todo o mundo.

Rato dos ratos, venha quem vier, revelo aqui a minha alegria pela sua tão desejada imortalidade, e deixo votos para que as suas histórias nunca deixem de encantar, pela doçura com que aparecem ilustradas.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

OBA OBA

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A Salvação

Como remediar alguns dos pensamentos mais parvos dos últimos dias...É como quando estamos com sono, só saí parvoíce!! O pior é que agora temos a internet e não um diário privado. E assim sentimo-nos culpados... Talvez com esta imagem fofinha:



Pronto, já está! Ratinhos fofinhos e humanos sem maldade nenhuma, o melhor de nós! Como vêem somos capazes!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Momento de Azia



Somos dois ratos no esgoto
Num mundo grande demais para ser
Dá-me mais queijo
Alimenta-me
que eu não paro de comer
Cheira mal, o que é que importa?
Se ninguém se lavar
ja não me chamam porca
Por isso rouba, maltrata e mente
Mata se for preciso
Estamos a quilómetros, e a quilómetros, de distância do Paraíso

Porque é que te agarras com tanta força?
Um dia a corrente vai levar-te
Suja-te, confunde-te com os outros
Fica a pele envelhecida
quando o pêlo te largar
Somos todos iguais
Acabou-se a fantasia!
Salve-nos a metamorfose
Pois a peste veio para ficar

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O Acto de Amor do Povo



Acabei de ler “O acto de amor do povo” de James Meek, escritor londrino que, devo dizer, arrebatou. Como todas as grandes leituras, que quando acabam requerem uns momentos de séria reflexão, deixei-me ficar durante dois dias a gozar a aura do seu rasto, sem tentar tão pouco traduzir mensagens que não se trocam por palavras simples.

Meek teve a habilidade de projectar naquelas páginas o horror e a beleza como fontes paralelas, levantando questões da natureza humana tão profundas, quanto se apoiam na realidade do nosso mundo.

No contexto da Guerra Civil Russa, são factos genuínos que muitas centenas de soldados checos foram deixados sem condições no norte da Rússia pelo colapso do império Austro-Hungaro, que seitas utopistas praticavam actos de castração religiosa ao longo do século XIX, e que havia prática, entre os presidiários russos e soviéticos evadidos, de levar um companheiro mais ingénuo para se alimentarem durante a fuga, como o próprio Meek desvenda no final do livro.

Se por um lado o autor nos transporta até à condição mais básica do ser humano, um animal que vive da sua fome com a certeza de uma morte certa que virá, por outro, mostra-nos a sua capacidade mais sublime de Amar e de dependência dos outros. Um homem mais forte que o próprio corpo que habita, capaz de desafiar a maldição que nos leva para o limite da destruição, nunca perdendo por isso os seus sonhos.

Os fins justificam os meios? E os meios asseguram os fins? – questões e dilemas de ontem, de agora e de sempre!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

I'm so sorry, rendi-me ao senhor...




"Edward the confessor"...DIZ TANTO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!...que não posso ignorar!

Mais papagaios...

Kites fly all over the skies,
And change in shapes what we can't hold by,
The beauty of freedom and the trace of random wishes,
Release us from ourselfs and our vicious society

Papagaios de Papel


From the film "Kite Runner", 2007


"Kite Runner", romance de Khaled Hosseini, que arrebatou com este livro grandes prémios internacionais da literatura, foi adaptado ao cinema por Marc Foster, e comove não só pelas lindíssimas imagens que mostra, mas por tudo aquilo que fica por mostrar.
Retratando o prestes, o durante e o após a invasão russa do Afeganistão, o filme narra a história de dois amigos, Amir e Hassan, cuja principal paixão são os papagaios de papel. Mas quer a sua infância, quer a sua amizade, que pareceriam resistir aos maiores torpedos de intolerância, daqueles que zombavam das suas diferenças sociais, acabam por ser assoladas, pelo seu confronto cruel com o lado mais duro e perverso do ser humano e das suas guerras políticas e religiosas.

Retorno às coisas verdadeiras...

Roubadas as virtudes, pergunto, será que sobra alguma coisa? A meu ver, o filme mostra que sim. Embora secretamente eu tema que, seguindo por este caminho, as reduzamos à poeira da nossa auto-destruição. Como uma velha lembrança daquilo a que tivemos acesso.
Será que das cinzas ainda se erguem valores?
Vou esperar como o papagaio, que rasga os céus à deriva, esboçando formas e sentidos que só compreenderemos quando finalmente nos soltarmos. E recordando uma bonita canção de um outro filme conhecido, termino lamechando, “Somewhere over the rainbow, bluebirds fly. Blue birds fly over the rainbow, why, oh why can’t i?”

domingo, 5 de outubro de 2008

Everything that lives must die...

1998, Paredes de Coura: uma menina de 13 anos assistia entusiasmada àqueles que viriam a ser dos melhores concertos que viu até hoje. Soube-o naquela altura, que as paixões fortes dessa idade podem acompanhar-nos a vida inteira, pois são emoções que não se apagam e que nos vão alimentando sempre que nos falta um incentivo maior.
É necessário voltar atrás, de vez em quando, àqueles lugares e àquelas histórias.
Desejando muito a sério repetir fisicamente a experiência, para já recordo alguns dos nomes mais promenientes dessa edição, Tindersticks e Divine Comedy, enquanto tropeço numa "daquelas músicas especiais" desta última grande banda norte americana, "The dogs and the horses".
E com um charme recém descoberto do vocalista principal, Neil Hanonn, a menina volta a surpreender-se, fecha os olhos e balança....


quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Até que a voz me doa!!!




Embriagada pelo sono, como nas noites de excessiva folia, partilha-se tudo e com todos, sem vergonhas e demasiado à vontade, como se parte do cérebro já adormecido não recorde que a ressaca vem sempre no dia seguinte e que em todas as vezes aparece sempre alguém que capta o momento fotograficamente, para o não deixar esquecer. Aqui deixo a minha primeira tentativa de uma curta que escrevi em tempos, porque afinal, julgo, são estes momentos que nos permitem enxergar no futuro a evolução. E que se lixe tudo o resto!


Cena 1
EXTERIOR, RUA DE ALFAMA, FIM DE TARDE
Raul está sentado no degrau da sua casa. Com os braços caídos, olhando o chão, mostra um ar tão pesado quanto o remorso que carrega. A rua está deserta e a sua roupa gasta confunde-se com a fachada velha dos prédios.
Só o vento quebra o silêncio.
Com uma rajada mais forte, Raul sente um arrepio que o faz tremer, levanta a cabeça e mira o alto da rua. Não vê ninguém e volta a fechar-se na sua concha.
Fica assim mais uns segundos dorido pela lembrança dos seus actos, quando, de repente, o barulho de uma bola a rolar na sua direcção o faz reagir. Levantando-se, corta-lhe a descida. E eis que surgem dois malandros aos gritos: “Raul! Raul! Anda jogar! Anda!”
Raul passa-lhes a bola, hesita um bocado e com a voz tremida pergunta-lhes: “Viram a Mariana?”
“Já partiu. A Dona Otília pôs o quarto a render”, responde prontamente um dos rapazes. “Vens connosco?”, insiste.
“Não, joguem vocês. Eu…eu tenho que fazer.”
Desistindo, os garotos seguem o seu caminho. Raul vê-os desaparecer. Olha para o relógio e desata a correr, acelerado, através de algumas ruas, destorcidas à sua passagem. À medida que avança começa-se a ouvir cantar o fado, primeiro ao longe, depois cada vez mais perto. Raul detém-se à porta do café por pouco tempo e entra.

Cena 2
INTERIOR, CASA DE FADOS
Encostado à porta, não se admira ao ver o café cheio de estrangeiros animados, mas discretos. Entre sorrisos e este ou aquele comentário vê-se neles o respeito pela música, pelo vinho e pelo chouriço a fumegar. Só mais tarde, tocados pelo ambiente, pelo tinto ou, até quem sabe, embalados pelas cantorias, iniciariam longas conversas repletas de “Oh my God” e de risos estridentes.
O olhar que lhes deita é rápido. Sobrevoa as suas nucas para chegar ao palco, onde a rapariga que canta aperta o microfone entre as duas mãos, à medida que faz um grande crescente. Raul observa-a e solta uma lágrima. Canta bem, mas não o prende.
Ainda com o leito marcado sobre a face, sente que a sua presença foi notada. Manuel, com a guitarra portuguesa, olha na sua direcção, faz um movimento negativo com a cabeça e permanece com um ar triste, enrugado, vendo-o partir.

Cena 3
EXTERIOR, ALFAMA, FIM DE TARDE
Desta vez o sentido é o inverso, Raul rasga as ruas em direcção ao Castelo. O vento força-o a voltar, empurrando-o para baixo, mas ele não desiste. As lágrimas, que agora escorrem sem cessar, são disfarçadas pela velocidade com que sobe.
Alguns turistas, mais resistentes, que regressam do Castelo, passam por ele e voltam-se à sua passagem, não conseguindo mostrar a sua indiferença. Mas ele não vê ninguém e, quando finalmente atinge o miradouro, encontra-se sozinho. Cai de joelhos, ofegante. Cabeça quase no chão, e o seu cabelo, apesar de curto, completamente revirado… Todo ele do avesso. Por fora e por dentro.

Cena 4
EXTERIOR, MIRADOURO DO CASTELO, NOITE
(Flashback)
Fica noite. Berros. Confusão. Ao erguer a cabeça vê-se a si e a Mariana, naquele mesmo miradouro. Ela, visivelmente transtornada pergunta-lhe “Porquê?”. “Porquê é que não vais com a tua estrangeira para a terra dela?!”, grita e chora. Ele não responde, não a olha, finge olhar o horizonte. Então, em jeito de desespero, a jovem, de cabelos negros compridos, avança para ele de braços no ar, “Usás-te-a como me usas-te a mim, não foi?”. Ele vira-se e dá-lhe um estalo e ela cai no chão, de joelhos. Cabeça no chão...

Cena 5
EXTERIOR, MIRADOURO DO CASTELO, FIM DE TARDE
Raul volta a erguer a cabeça. Novamente sozinho e em silêncio, só com o vento de companhia, volta a o olhar a paisagem. Ao fundo, no rio, vê um barco afastar-se e começa a ouvir o fado.

Cena 6
INTERIOR, CASA DE FADOS
(Flashback)
Casa cheia. Dois guitarristas e uma jovem de cabelos negros. Mariana canta com a alma, e prende. Prende a todos e em todos se vê um brilho nos olhos. Maior nos de Raul que, na mesa da frente, não desvia por um segundo os olhos da sua amada. Está acompanhado, mas os outros homens, já um pouco bebidos, não o distraem por um segundo sequer. A jovem termina o fado e a sala enche-se de palmas. Mariana agradece, ergue a cabeça, vê – lo sorrir e sorri também.

EXTERIOR, MIRADOURO DO CASTELO, FIM DE TARDE
O barco desaparece.

Piiiiiiiiiiiiiiiiiii

Escrever, escrever, escrever....
Lutar com as palavras, atirá-las para o papel, mexer-lhes, dar-lhes sentido, tirar-lhes algum, construir imagens no ar, deixar a tinta escorrer e escrever, escrever, escrever!!!
O início de possibilidades infinitas, de junções e divórcios, de interpretações aproximadas ou completamente loucas! Um sapo? Um lagarto? É um bicho verde, e pronto!
Será que existem palavras certas ou frases acertadas? Em determinadas alturas, parecem apagar o restante dicionário. Frases que mexem com o mundo, que persistem no tempo, que agitam multidões e forçam a evolução. Frases de romance ou tragédia. Frases pensadas. Formalizadas? Escrever, para quê afinal?!


Como evitar. Inspira-se e expira-se.

Manoel, a "Oliveira"




O reconhecido “mestre” da arte cinematográfica portuguesa já é um monumento incontornável. Manoel de Oliveira completa 100 anos em Dezembro deste ano e é o mais antigo realizador português. Quer se aprecie ou não o seu género peculiar, este senhor resiste ao tempo e continua a sair nas páginas dos jornais, lusos e além fronteiras.

E ao que parece a longevidade traz realmente frutos. Galardoado “finalmente” (palavras do próprio durante os agradecimentos), a 19 de Maio, com a Palma de Ouro pela sua carreira artística num dos maiores festivais de cinema mundial, o controverso realizador reforçou a emoção do momento, num enérgico “Viva o Cinema” que soltou no final discurso, em Cannes.

O prestigiado prémio foi entregue pelas mãos do actor francês Michel Piccoli, numa cerimónia onde marcaram presença o júri de Cannes, o realizador norte-americano Clint Eastwood e o presidente da Cinemateca Portuguesa, João Bérard da Costa. “Foi a melhor forma de receber este prémio” confessou Manoel de Oliveira, sublinhando que não gostaria de ser distinguido em competição com os seus colegas realizadores.

Filmes como “Douro, Faina Fluvial” (1931), “Aniki Bobo” (1942), «Le Soulier de Satin» (1985), «Os Canibais» (1988), «Vale Abraão» (1993) “O Convento” (1995), “A Carta” (1999), “Vou para casa” (2001), “O Princípio da Incerteza” (2002), e “O Quinto Império” (2004) são alguns dos mais de 40 filmes que já dirigiu.

Mas pensa-se que se sente realizado? Conformado? Confortado? Palavras que não reconhece por inteiro. Manoel, “a Oliveira”, árvore bem portuguesa que cresce na terra e se estende para o céu, que vê passar estações completas e perdura firme e fiel a si mesma, não se fica, ameaçando “Continuo enquanto me deixarem e enquanto tiver saúde”. Amén!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Estado de espírito...


"Dispair", Much


"Insignificance", Hands on Approach


For one small point in time
Forget everything that ever matterred
Loneliness is just a trick of mind
Can you fail to remember?

Far away from dreams of youth
But closer to live without them
Once I traded feelings for thoughts
I'll never find myself again

I always do something else
Light up a cigarette
And smoke...the joy it brings
Insignificance...it's just one thing
It's everything, it's just one thing

For one little moment in time
Drop everyone that always cared
Solitude is satellite of love
Just for once stand alone
Can you try to fail alone

Far away from tears of childhood
Will teh punishment fit the crime
Trying to switch fears for toughts
When we live somewhere along the line

I always do something else
Light up a cigarette
And smoke...the joy it brings
Insignificance...it's just one thing
You can always do something else
Light up a cigarette
And smoke...the joy it brings
Insignificance...it's just one thing
It's everything, it's just one thing


Nota redentora: depois do mal feito, a habitual desculpabilização, "Ah e tal, foi só desta vez. Nunca mais volto a colocar letras de músicas no meu blog, principalmente nestes propósitos!Saiu-me, pronto! Para quando não há realmente nada que se possa dizer...e se bate no fundo! Peço desculpa a eventuais agoniados". E quem quiser acredita.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Breaking the Waves...






From the film "Breaking the Waves", 1996



Não é tarde para referenciar este filme, pois por agora já será intemporal. Com um sofá por minha conta, bebi dele ontem à noite cada significado que se propôs oferecer-me, como se falasse só para mim, num diálogo íntimo e privado, no entanto, universal.

Lars Von Trier, o realizador dinamarquês, provou que, ainda que o Dogma 95 (movimento do qual foi precursor) possa assentar sobre algumas percepções talvez irremediavelmente idealistas, as suas influências neste filme não foram inibidoras de um resultado brilhante.

Para Emily Watson, a actriz que interpreta Bess, não há sequer palavras. Acompanhamo-la desde o primeiro minuto, ao longo de uma história de amor e destruição, de liberdade e tirania, de tragédia…mas esperança!

Nas suas conversas “com Deus” não me pude deixar de rever, aquando os encontros com o nosso pior limitador: a nossa própria mente!

Ainda que, tal como Bess, admitamos a sua subjugação (da mente) a uma sociedade maior, somos principais estafetas ao seu serviço.

E se Bess vivia numa sociedade mais reaccionária que a nossa, talvez a sua “insanidade” tenha sido o escape para as emoções que nós escondemos diariamente, ou disfarçamos, quando tantas vezes nos apetece gritar a pulmões vivos tanta coisa...

Uma histeria colectiva não será aconselhável (e daí…quem sabe, outro tópico...), mas a sinceridade deve começar connosco próprios!





Onde eu queria estar

Praia do Baleal

O mar enrola na areia, e eu me deixo enrolar…sempre que me recordo, daquele sítio à beira mar. A patologia do sonho interrompido, a forma da perfeição que desenhei com a ilusão de uma criança incauta. Boneca de porcelana, que nunca cresceu.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

As 10 coisas que mais odeio... em mim (today):


"Black Widow", David Beck



As 10 coisas que mais odeio... em mim:


-ter tanta coisa boa...
-e ver TÃO POUCO!

- querer fazer tudo de uma vez...
- mas fazer TÃO POUCO!

- sonhar demasiado...
- e ainda assim, TÃO POUCO!

- pensar em tanta merda...
- mas escrever...TÃO POUCO!

- ter uma só vida...
- e não viver o mais que posso!

O dilúvio anunciado

"Lady from the sea", Munch


Quero sentir-me inspirada! Uma música, um livro, um filme…tanto faz! Demando à vida algo que me estremeça e que, de dentro, arda o artifício em cores brilhantes e imperceptíveis. Quero sentir tudo o que mais forte me embriaga, sucá-lo até à última gota, o tutano das coisas reais! É que às vezes…

Às vezes chove cá dentro.

Uma tempestade que arrasta em dilúvio todo o sentido que absorvera das "coisas principais". E essas coisas podem ser temas simples: uma história verdadeira, um olhar sobre aquilo que resiste à depressão.

Por exemplo:
No outro dia, enquanto andava de carro, aborrecida por mais um dia de trabalho num meio de juízos e medidas descabidas, lamentava-me as pessoas darem tão pouco valor "ao nosso todo", rotulando, como nos frascos, segundo estereótipos epidérmicos e castrantes. As pessoas estereotipam de formas hediondas e cruéis, que mutilam e nos aparam, para cabermos perfeitos no molde do seu entendimento. Julgam que só assim conseguem tirar sentido mas, pelo contrário, poupam-se ao esforço de o interpretar. Mas o pior, reflectia eu, é que também os tenho, e tornei-me exactamente num tipo que me faz especial comichão: "escrava dos números e da vestimenta adequada". Assim, estupidamente, sentia-me reduzida por mim própria, entregando-me ao género que sempre desdenhei, mas que não consigo deixar de ver. Por algum acaso (depois de ter introduzido um outro assunto que não vinha aqui ao "post"), estava eu neste estado, parada no sinal vermelho, quando vi um miúdo aos pulos, mesmo sobre o repuxo que cresce do chão em frente ao Campo Pequeno, em Lisboa. E deu-se! Fogo-de-artifício!
Não conduzi alcoolizada, é claro, mas, desde então, não me esqueci da visão que tive. Foi no momento certo que o puto me estremeceu: estava ali, aos pulos no repuxo, à frente de todos mas completamente "a cagar" para qualquer juízo de valor. Enquanto criança podia desfrutar do combustível das verdadeiras sensações!

Bolas, porque é que reprimimos então "as coisas principais" e as deixamos varrer pela corrente? O dilúvio. - repito.

Se a estrada da vida corre num só sentido, eu quero ver a paisagem por onde passo, o que me mostra. Se, pelo caminho, tropeçar num bom livro, nas teclas de um piano cristal…ou até no puto que pula no repuxo, vou levantar-me, e abrir os olhos que espelham a alma.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Hoje quero ser nada!

"Ofelia", Georg Pauli


Uma flor não tem que ser mais do que uma flor. Basta-lhe ser aquilo que é, não tem de vestir-se de cacto ou bananeira.
Mas nós, espécie rara em vias de extinção, temos de ser sempre algo mais! Filha, amiga, namorada, estudante, trabalhadora, dona de casa, vizinha...isto, aquilo, aquele outro, ambos...tudo ao mesmo tempo!
Sem nunca parar! Sem tempo para sermos somente aquilo que somos!

...Humanos?!
(não fosse toda a carruagem que acarreta o próprio termo...)

Às vezes cansa ter tantos papéis! Perante a sua densidade, fazer opções, derivações, construir novas personagens, para seguir em frente!
Agora sou a M. isto, mais logo a M. aquilo...porque tive de optar, tenho sempre de optar para subir ao " grande palco da interpretação".
E o tempo não pára! Nem apenas por um segundo!

Mas hoje...
...Hoje quero ser NADA!
Sentir-me leve, flutuar...só por uns instantes apenas! Fechar os olhos, e apenas nada!

Não um sono mórbido qualquer, mas um renascimento do eu inicial. Será possível?! Inalterado, intocável...e perfeito! Sem opções, responsabilidades, fatiotas estúpidas ou expressões encaixadas! Um ser pelo ser! Não pelo fazer!