quarta-feira, 15 de junho de 2011

Galáxias Canibais - A mágica realidade


No jardim em Belém, de frente para o banco onde a avó está sentada, dois meninos chineses seguram - cada um – um balão vermelho, de tal forma perto do corpo, que escondem metade do seu tamanho. Depois de algumas manobras deícticas, um dos meninos rebenta sem querer o seu balão.
Ouve-se o estouro. E o balão desaparece. O menino vê-se todo! Imóvel! Igual à estátua junto à fonte!
Braços colados ao corpo, hirto em posição solene. Na mão do lado direito, vê-se o cordão e o pouco que sobrou da borracha vermelha - cujo ar se soltou para um ar mais amplo. O menino não olha para o vazio do espaço que o balão desocupou; pois o vazio vê-se todo nos seus olhos - rasgados, tristes e culpados, fitam a avó à espera de consolo ou de castigo.
Porque é que me deixaste aqui?
Afinal aqui também há magia! Eu vejo os truques. Sem fios e marionetas. Só com cordões e balões vermelhos. Contam uma história verdadeira. Afinal aqui também há magia! Quando o balão desapareceu, eu vi um menino inteiro. Um menino grande demais. Com uma história para contar.
Afinal aqui também há magia! Se quisermos todos os dias podem ser mágicos, tu disseste. Afinal aqui também há magia! Também se sonha de olhos abertos! Abriste os teus? Ou olhavas para dentro...
Porque é que me deixaste aqui? A sonhar sozinha a realidade, que me disseste para sonhar.

Galáxias Canibais - Tudo se parte?


No comboio para Lisboa a janela estilhaçada vicia-me o olhar, preso no quadro perfeito dos fragmentos geométricos de vidro - seguros num padrão aparentemente aleatório, mas que forma uma composição de ordem magistral, sobrepondo-se ao caos do que está partido.
E a luz vinda do exterior, que os cruza reveladora, espelha dezenas de cristais de cores diferentes, lançando feixes de amarelo, azul, verde e rosa pela carruagem bafienta, cheia de gente indiferente a este espectáculo circunstancial.
De repente, revejo-me ali.
Não sou Budista ou Hinduísta…mas será Karma?
Porque é que me deixaste aqui? Assim quebrada.
Porque também quebrei alguém?
Já não há conserto! Só leves reparações.
Por dentro fica o estilhaço..!
Multicolor! Multidor em formas rectas pontiagudas.
A felicidade, no seu sentido absoluto, não é para se alcançar.
Só para se procurar.
É isso que nos move! Disseram-no tantas vezes.
Porque é que nunca acreditei?
Não queria. Eu não podia!
Se o fizesse, não procurava.
Porque é que me deixaste aqui? Assim quebrada.
Como a janela de um comboio que nunca pára, senão no fim do meu trajecto.
Se a felicidade não é estação, quero ser janela para o mundo; quero que na viagem a luz me atravessasse o peito e espelhe um arco-íris ainda mais vivo, por estar quebrada; quero que cada pedaço de mim, cada pedaço de dor, componha algo mais perfeito, no fatalismo da nossa imperfeita perfeição.Se não me virem, pois então quero ver. E quero ser, como quer que seja.