quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O Acto de Amor do Povo



Acabei de ler “O acto de amor do povo” de James Meek, escritor londrino que, devo dizer, arrebatou. Como todas as grandes leituras, que quando acabam requerem uns momentos de séria reflexão, deixei-me ficar durante dois dias a gozar a aura do seu rasto, sem tentar tão pouco traduzir mensagens que não se trocam por palavras simples.

Meek teve a habilidade de projectar naquelas páginas o horror e a beleza como fontes paralelas, levantando questões da natureza humana tão profundas, quanto se apoiam na realidade do nosso mundo.

No contexto da Guerra Civil Russa, são factos genuínos que muitas centenas de soldados checos foram deixados sem condições no norte da Rússia pelo colapso do império Austro-Hungaro, que seitas utopistas praticavam actos de castração religiosa ao longo do século XIX, e que havia prática, entre os presidiários russos e soviéticos evadidos, de levar um companheiro mais ingénuo para se alimentarem durante a fuga, como o próprio Meek desvenda no final do livro.

Se por um lado o autor nos transporta até à condição mais básica do ser humano, um animal que vive da sua fome com a certeza de uma morte certa que virá, por outro, mostra-nos a sua capacidade mais sublime de Amar e de dependência dos outros. Um homem mais forte que o próprio corpo que habita, capaz de desafiar a maldição que nos leva para o limite da destruição, nunca perdendo por isso os seus sonhos.

Os fins justificam os meios? E os meios asseguram os fins? – questões e dilemas de ontem, de agora e de sempre!

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