sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Cena X



Renata, nove anos, olhos verdes, sardas caprichosas e de nariz arrebitado, pareceria uma boneca de porcelana no vestido demasiado arranjado que a sua mãe lhe escolhera essa manhã, não fossem as cores vivas do seu rosto e o brilho forte no seu olhar.
Sempre agitada, olha atenta e impacientemente lá para fora.
Está um dia bonito de Outono, que reflecte uma gestação plácida da estação que prepara e que cumpre com o dever de acontecer.
“Sabes, hoje vai chover.”
A menina roda no vestido e tenta meter conversa com a irmã mais velha, que não lhe presta a atenção habitual dos outros dias.
Mas ela não responde.
“Maria!”, reclama alto.
Com longos cabelos escuros a cobrir grande parte de um rosto arredondado, estes não roubam a beleza da jovem sentada no sofá vermelho escuro ao centro da sala. Mas escondem as sardas que sublinham, como na irmã, um olhar profundo esverdeado… mais fechado, no entanto, que o da menina incauta pendurada à janela.
Não se vê qualquer balanço da cabeça quando Maria, segurando firmemente o livro que teima em ler, murmura baixinho para o chão à sua frente:
“Sim, parece que vai.”
Foi uma resposta mecânica e ausente. E Renata não se dá por satisfeita.
“Não te incomoda, ficar o dia inteiro em casa?”, insiste.
“Se estivesse sol, fazia alguma diferença?”
Maria espreita rapidamente por cima do livro, para se esconder, logo em seguida, nas trezentas páginas que parecem não avançar sobre os seus dedos…pousados com uma força despercebida sobre as extremidades das folhas, como pedras de uma qualquer estátua solitária num jardim.
Mas a menina continua a resmungar:
“Podíamos ir para o pátio se estivesse sol!”
No mesmo tom indiferente, a resposta é a mesma:
“Ainda assim ficava em casa. Ou achas que…”
Desta vez, Maria hesita por um instante. A sua boca entreaberta, permanece sem respirar.
Renata aguarda...
…mas não ouve mais palavras.
Terminando a frase num suspiro, Maria opta novamente pelo silêncio. As palavras que não disse não lhe pertencem, soam-lhe a falso mesmo antes de expressá-las. Agora que perdeu todo o sentido da verdade, decide retomar a leitura do primeiro parágrafo, que ainda não leu.
“Parecemos prisioneiras cá dentro. Só que estamos inocentes!”
“Renata, se quiseres podes ir. Eu fico até ao final do castigo.”
“Não. Isso não! Eu prometi.”
Atirando-se prontamente para o sofá, Renata cruza os braços em sinal de espera: “Só saio quando saíres também”.
Segundos depois, a menina percebe que não tem nenhum livro, para fingir que lê como a Maria, nem nada com que se entreter naquele espaço escuro, só com um candeeiro iluminado. Percebe que o cruzar de braços não é um acto para demoras.
“Pronto, não digo mais nada”, tinha acrescentado minutos antes. Mas não cumpre:
“Já sei!” grita eufórica. “Queres ir dançar?”
De um salto do sofá, voa para o meio da sala, e admira-se com o facto de a ideia não lhe ter surgido mais depressa. Os seus olhos brilham ainda mais reflexos.
Olhando directamente para a irmã, Maria sorri desarmada e marca o livro para fechar.
“Ok, posso ajudar-te. Mas hoje não me apetece.”
“Está bem. Está bem!”, apressa-se Renata. “Vamos rápido para o salão”.

Um comentário:

Marcas Avant-Garde disse...

As festas de Monsaraz aproximam-se... diz-me que vais este ano!!! beijinhos grandes