terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O Falecido Sr Shakespeare



A leitura de “O Falecido Senhor Shakespeare”, de Robert Nye, abriu-me uma caixinha de pequenas histórias, assentes em factos e ficções, em torno de um dos maiores vultos da literatura mundial, que sempre idealizei como uma personagem sobre-humana, possuidora de uma sensibilidade e poética ultra-especial: William Shakespeare.
Esta confusão entre os factos e a especulação acerca dos aspectos mais pessoais da vida do escritor, ao longo de toda a narrativa do livro, não acontece por acaso, mas é explicada da seguinte forma: “Leitor, as nossas vidas reais são ficções. Crede que a ficção é a melhor biografia.”
Assumindo, assim, a biografia falaciosa, as histórias vão sendo narradas por um (suposto) velho actor da companhia teatral do dramaturgo, algumas décadas após a sua morte...Robert Reynolds, carinhosamente apelidado por Pickleherring.
Como é comum, com o peso dos anos Pickleherring revela-se uma criança espirituosa num corpo de velho, traquina e terno ao mesmo tempo, inseguro no seu corpo mas de uma sapiência invejável. E, claro está, devoto incondicional de Shakespeare.
Depois de tanta tinta entornada sobre a história e obra do grande escritor, este livro emerge à superfície da minha cabeceira, com vontade própria de um novo respirar, mais fresco e apetecível.
Não creio, no entanto, que o ar renovado seja o suficiente para me saciar, enquanto refém de uma vontade caprichosa de sorver toda a sabedoria de Shakespeare, através das suas obras e do seu percurso espiritual.
Esta insaciedade, presa a tudo na vida, é no livro confirmada, na referência de que “a verdadeira história é o que não pode ser contado”.
Mas, com o tempo, aprendemos a libertar essa tensão, pela absorção equilibrada de cada um dos seus elementos. Oxigénio, nitrogénio…formam o composto do ar. E não nos engasgamos, se nos soltarmos da imensidão, para apreciar cada parte do seu sabor.
Sim. Respirar sabe tão bem…

Para mim, este livro serve dois gostos principais.
Picante e malicioso, arde na língua e custa a engolir, pois tempera a mentira desbocada ao jeito do mexerico, com obscenidades e ingredientes sórdidos, demasiado fortes para quem sofra de rabos sensíveis, hemorróidas, ou outros males religiosos. Mas deixa também um gosto doce de sinceridade, que conforta e acompanha a digestão do leitor resistente que, apesar do rubor, chega ao prazer da entrega esfaimada e ao refinamento do paladar. Pela abertura, não da boca, mas da mente devoradora.
Não é pois fácil este processo degustativo, quando a prova passa a refeição pesada, se estivermos há algum tempo em situação de jejum. Contudo, tal como o respirar, se estivermos em paz, o organismo avança sozinho e absorve os nutrientes essenciais, num repasto tão delicioso, que não causa qualquer mau estar. Capítulo a capítulo, prato a prato em cima da mesa.
A leitura naturaliza-se, apesar das voltas e contravoltas, em torno de algumas das trivialidades que o autor nos narra exageradamente, uma vez que não lhes afirma veracidade real; perde-se, por vezes, num rodízio perigosamente enjoativo, de suposições que alimenta por vários capítulos, como se de um criador de receitas se tratasse…para a sua própria fome de Shakespeare.
A verdade é que a ficção alimenta. E de que maneira.
Não vejo, por isso, mal em devorarmos com o mesmo apetite cada fantasia em torno da intemporal “personagem sobre-humana” que, para mim, sempre esteve aquém do comum mortal, limitado na escrita e no coração.
Aos poucos e sem pressas, foi aí que encontrei a ligeireza deste livro, no amor com que foi cozinhado, ao lume de uma beleza maior (presente em todas as obras shakespereanas).
A minha fome não é de páginas, mas sim de fantasias.
E nesse sentido, arrotei.
Esta era também a fórmula de Shakespeare...
Só ao fantasiar, poderemos tirar ilações daquilo que pode ser o real.
Talvez seja este o segredo da sua composição.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Malyfree disse...

Jane Austen? LOL